sábado, 28 de fevereiro de 2009

O AECT Galiza - Norte de Portugal: Uma Esperança? (I)




A diluição das fronteiras, o liberalismo económico e as novas redes de comunicação à escala global transfiguraram o modo como é exercido o poder público um pouco por todo o mundo. Estes factores estão na base de novos modelos de organização social, nos quais entidades públicas e privadas de vária índole têm ganho progressiva autonomia face ao que dantes era um poder incontestável por parte do Estado. Esse poder, designadamente em espaços geopolíticos como o da União Europeia, é um poder cada vez mais contestado devido ao elevado estádio de desenvolvimento em que aqui se encontram os factores referidos. A União Europeia é, por isso, um espaço geográfico com maior tendência para o surgimento de centros de poder regional mais coesos e definidos.
Os cidadãos de uma Europa a vinte e sete, destinatários últimos das decisões comunitárias, são muitos deles o reflexo do distanciamento, do cepticismo e da passividade face ao papel que a União Europeia desempenha nas suas vidas. Esta descrença – em abono da verdade não poucas vezes motivada pela falta de informação – é uma das principais, se não a maior fraqueza da Europa contemporânea, e um dos seus maiores e mais prementes desafios. A solução encontrada passa, grosso modo, pelo reforço do método comunitário como via privilegiada para uma maior eficácia das decisões comunitárias. É inegável que a transposição de responsabilidades para um nível inferior, fazendo-as acompanhar por um maior grau de autonomia – necessariamente respeitador das especificidades regionais – é uma aposta segura e benéfica para o próprio futuro da Europa, pois garante uma cidadania mais plena, mais justa, e mais democrática.
Em 2004, com o acordo do Parlamento e do Conselho, a Comissão Europeia idealizou um novo instrumento jurídico de cooperação transfronteiriça sob a sigla AECT (Agrupamento Europeu de Cooperação Transfronteiriça). Aquele que se apresenta como o maior ponto de interesse do AECT é, sem dúvida, o facto de possuir personalidade jurídica própria. Na prática, isto significa que um AECT, quando constituído, pode agir em nome próprio e fazer-se representar autonomamente junto de outras entidades públicas ou privadas. Está dentro das competências de um AECT gerir programas de cooperação transfronteiriça financiados pelos fundos estruturais ou por outros fundos comunitários; todavia, um AECT pode também gerir e responsabilizar-se por programas que tenham sido da iniciativa de um ou mais Estados-membros, e financiados por estes e/ou pelas suas regiões. Esta característica garante a versatilidade deste instrumento, e alarga o âmbito da sua actividade. Espera-se que o AECT Galiza - Norte de Portugal venha a ser um estímulo para esta cada vez mais empobrecida região. O facto de contar com personalidade jurídica própria e com um elevado grau de autnomia é, teoricamente, uma mais-valia, que terá de se fazer repercutir na prática. Se não somos capazes de por nós mesmos fazer desenvolver esta região, que o façamos em conjunto com os senhores do lado de lá da fronteira. Pode ser que ao menos aqui Bruxelas tenha razão.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ainda Havia Gente Decente.


Perante a inevitabilidade de um desfecho trágico para a Alemanha enquanto nação e para os alemães enquanto povo, um punhado de oficiais bem colocados na hierarquia do exército decidiu pôr cobro ao terrível pesadelo de uma guerra há já muito perdida e minorar o sofrimento da população civil, já inútil e em vão. Há quem diga que Hitler foi salvo pela espessura da mesa, há quem diga que poucos segundos antes a pasta foi desviada do ditador o suficiente para não lhe tirar a vida, há quem diga - e esta parece ser a versão mais fidedigna - que não houve tempo para colocar mais um explosivo dentro da pasta, que por certo seria mais do que suficiente para o mandar pelos ares.
A História é pródiga em acasos, uns mais custosos do que outros. Este, concretamente, foi um acaso hediondo, um sarcasmo de Deus, uma incomensurável perfídia da Providência, que protegeu o Mal e o deixou continuar a sua horrível missão por mais nove sangrentos e infindáveis meses.
Para a História, uma ciência que deve contar tudo e não deixar nada por dizer, é preciso que guarde estas memórias com cuidado, para que não se caia na tentação de culpar cega e indiscriminadamente todo um povo pelas atrocidades sobejamente conhecidas, como alguns radicais dos novos tempos insistem em fazer.
Sorte do Diabo, composto por excertos da biografia em dois volumes de Adolf Hitler, Hubris e Nemesis, de Ian Kershaw, é uma leitura interessante em jeito de apanhado das principais motivações do putsch de 20 de Julho de 1944, e da cronologia dos acontecimentos. Dá para ter uma ideia da implantação do movimento oposicionista alemão ao regime e das tentativas (muitas) levadas a cabo para decepar a cabeça do regime e feri-lo de morte. É uma descrição satisfatória do «círculo de Kreisau», o grupo oposicionista em causa, que reunia essencialmente elementos de proveniência aristocrática influenciados pelo movimento juvenil alemão e pela filosofia socialista e cristã, inicialmente atraídos pela força patriótica do nacional-socialismo, mas cedo desiludidos com o rumo bárbaro do regime. Deste grupo veio mais tarde a fazer parte o agora badalado conde de Stauffenberg, de formação católica, perpetrador material do atentado.
Uma leitura breve mas esclarecedora, para limar algumas arestas e interrogações sobre um dia que podia ter representado a salvação antecipada da Europa. Porque na Alemanha hitleriana, também havia heróis.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

The Hobbit.


Fabulosa está a capa da Esquire do mês de Março. Não é para menos. The Hobbit, a prequela da mais grandiosa trilogia da história do cinema, tem estreia ainda longínqua, mas cada pedacinho surgido acerca da obra faz aguçar desmedidamente o apetite. The Hobbit (partes 1 e 2) será realizado por Guillermo del Toro, o mesmo por detrás de outras obras do cinema fantástico como o surpreendente Pan's Labyrinth. A realização está bem entregue. À falta de Jackson - que terá outras funções - del Toro é um nome que faz descansar os indefectíveis da saga. A estreia está prevista para finais de 2012 (!), e a rodagem não começará antes do próximo ano. Mas como se constata pela capa da Empire, o frenesim já começou. Até lá, é ler o livrinho.

Ainda Fincher.


Os senhores da PREMIERE acharam graça às minhas palavras sobre o novo trabalho de David Fincher e decidiram publicá-lo na edição de Fevereiro. Se a eles lhes agradou, a mim ainda mais. Não é nada de extraordinário, mas sempre dá para pôr um sorriso na cara.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Blonde on Blonde (1966).


Blonde on Blonde é provavelmente o maior disco da carreira de Dylan. Editado em 1966, Blonde on Blonde é um marco na história do blues-rock. Gravado em Nashville, o álbum segue-se ao também aclamado Highway 61 Revisited – todavia com um som mais maduro. Os anos 60 foram os melhores n que respeita à produtividade artística de Dylan e os anos que marcaram a definição da sua música. São 14 canções de pura contracultura, de riqueza musical, som anafado, um fartote de profunda densidade artística. Pledging My Time, I Want You, Stuck Inside of Mobile With the Memphis Blues Again estão entre as mais enérgicas e as mais emblemáticas. Outras como Obviously 5 Believers e Sad Eyed Lady of the Lowlands são tão valiosas embora menos badaladas. Blonde on Blonde é a melhor harmónica de Dylan. Não é um mero disco, é um monumento.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Homer na Esquire. Fabuloso.


Fantástica a capa deste mês da Esquire espanhola. Simplesmente deliciosa. Homer Simpson, o patriarca da família disfuncional mais famosa do mundo é o eleito, como se de alguém de carne e osso se tratasse, tal é a importância da garbosa(?) criatura. Uma ideia fabulosa, um must para apreciadores. E, imagine-se só: lá dentro, e a par de muitas outras, uma entrevista do homem! Uma belíssima e inovadora maneira de celebrar os vinte anos da série. E que melhor homenagem do que uma capa? Assim até é um prazer ler em espanhol. Pena que ninguém em Portugal tenha olhado para o potencial de uma publicação como a Esquire. Com a GQ a “enrascalhar-se” a cada número, e com as inqualificáveis perdas de tempo chamadas FHM e Maxmen, talvez um dia a Esquire portuguesa se venha a tornar uma realidade. Alguém que ponha os olhinhos em nuestros hermanos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Slumdog Millionaire.


Alguns anos depois de Trainspotting, Danny Boyle regressa por fim à sua veia artística mais entusiasmante. Slumdog Millionaire é uma história de encantar, daquelas contadas às crianças antes de adormecer. Um verdadeiro conto de fadas à maneira indiana, com laivos de Bollywood, crivado por um humanismo capaz de catalisar um sem-número de emoções que atordoam os sentidos e fazem elevar a alma. Slumdog Millionaire é uma grandiosa obra de arte, fulgurantemente lapidada.
A par da história de encontros e desencontros de dois irmãos dos bairros de lata e da shakespeariana história de amor do mais novo, o filme é o retrato não só do desenvolvimento da cidade de Bombaim, mas também o de toda a Índia moderna. Jamal, Salim e Latika são produtos típicos das vivências conturbadas num país que esmaga por completo as classes mais baixas de população, reduzindo-os literalmente a rafeiros de rua (“slumdogs”); seres que nada valem, desprotegidos e autênticos objectos de exploração. O crescimento do trio de personagens principais acompanha o ritmo de crescimento do país, conseguindo um melhor nível de vida mas nem por isso mais livre.
A toada à volta do concurso televisivo mais visto da Índia é demonstrativa da fragilidade e da permeabilidade da sociedade indiana ao encandeamento das luzes de uma ribalta praticamente inacessível, mas à qual Jamal, por amor a Latika, foi capaz de ascender. À boa maneira de Dickens, a ascensão do pobre Jamal obedece a uma única palavra-chava, que é também a de todo o filme: destino.
Slumdog Millionaire é uma pérola, uma fita inovadora no modo como entrecruza lágrimas, riso, choque, surpresa, tudo o que de mais o cinema deve ter em doses maciças. É dos poucos filmes onde as pessoas se voltaram a sentar para verem o genérico depois de já estarem levantadas para saírem da sala. Até isso prende. Depois de quatro Globos de Ouro e de sete prémios BAFTA, o próximo passo é inequívoco: Óscar. Só a estatueta dourada fará justiça àquela que foi já descrita como a primeira obra-prima do cinema globalizado.