quinta-feira, 25 de março de 2010

A Diplomacia Pura.


Mesmo sendo um livro que se pode considerar técnico, pois trata de conceitos operacionais que dizem respeito à instituição diplomática e às técnicas de negociação diplomática, este A Diplomacia Pura, da autoria do proeminente Embaixador José Calvet de Magalhães, apresenta-se também como uma boa sugestão para todo o espírito curioso com interesse por questões diplomáticas. Não só Calvet de Magalhães, mesmo sendo diplomata de carreira, sabe ter uma escrita prazenteira e quase romanceada, como também a sua proficuidade e a sua profundidade de análise conseguem tornar um assunto aparentemente cinzento numa leitura interessantíssima e reveladora.
Como diplomata de inegável craveira que o foi, com passagens por postos tão distintos como Washington, Boston, Paris, Cantão e Santa Sé, e ainda pelo cargo de secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Calvet de Magalhães alia o seu saber enciclopédico à experiência acumulada durante décadas. É desta forma que o autor começa por fazer uma distinção essencial que trespassa todo o resto da obra, a distinção entre política externa e diplomacia, conceitos que amiúde aparecem confundidos e misturados tanto pelo público em geral, pela imprensa, e mesmo por especialistas na matéria.
Depois deste esclarecimento, importante para ler o resto do livro com outros olhos, o autor prossegue com um compêndio histórico da evolução da diplomacia enquanto prática progressivamente instituída desde a Antiguidade na vida dos povos. Seguem-se aspectos mais específicos, como sejam os diversos tipos de diplomacia (secreta, aberta, bilateral, multilateral...); as patologias de que a diplomacia pode sofrer, mas que não são exactamente diplomacia nem podem ser confundíveis com esta (diplomacia paralela, espionagem...); até aos aspectos que caracterizam a actividade diplomática propriamente dita, sintetizados em representação, informação, negociação, promoção, protecção, e extensão externa do serviço público.
Mais do que recordar algo de que já se tomou contacto noutros âmbitos, ler algo como A Diplomacia Pura é como reler Os Maias fora das pressões escolares: o saber pelo prazer torna-se em algo menos mecanizado e, logo, mais clarificante e eficaz.

quarta-feira, 10 de março de 2010

a máquina de fazer espanhóis.


Da mera suposição à certeza distam apenas algumas páginas. Já várias por várias vezes lera e ouvira falar sobre valter hugo mãe, sempre bem, mas sem nunca ter tomado a iniciativa de ler atentamente qualquer uma das suas obras. Como as novidades são sempre as que mais ressaltam à vista, aí vai de mergulhar de cabeça neste a máquina de fazer espanhóis.
A história nada teria de extraordinário, não fosse toda a reflexão inesperada e aparentemente inócua que lhe é transversal, e que em última instância lhe dá substância e a torna maravilhosa. Esta a história de quem, já octogenário, se vê obrigado a enfrentar toda uma nova vivência após a a inesperada morte da mulher. O senhor silva, assim se chama o protagonista, é envolvido ainda que sem se aperceber num quotidiano que lhe mostra que a vida não acaba ali, e que permanece, mesmo no adiantar da vida, cheia de pequenas alegrias e surpresas.
O mais eloquente são sem dúvida as sucessivas reflexões interiores do senhor silva, como se por qualquer milagre científico fosse possível estar dentro do coração e da alma de alguém, e de sentir o pulsar de uma vida já com tantas décadas. a máquina de fazer espanhóis consegue ter esse raro dom literário de do velho fazer novo, de transformar algo simples e banal em algo com que se vibre, em que se reflicta e onde o que importa não é sentir alegria ou tristeza, mas simplesmente sentir.