Depois de assente a poeira motivada pela indecisão de Pimenta Machado em concorrer à presidência do VSC, e agora que já é possível falar em candidatos efectivos e não em pré ou pseudo-candidatos, entendo ser esta a altura correcta para discorrer algumas ideias sobre o acto eleitoral e sobre o futuro do Clube.
Em primeiro lugar, é para mim um alívio saber que Pimenta Machado não é candidato. O direito de concorrer assiste-lhe como qualquer outro sócio que tenha as cotas liquidadas, ainda que todas de uma vez. Mas Pimenta não seria uma candidato qualquer. Pimenta representa um passado que o VSC não deve, para seu bem, escamotear. Pimenta é o símbolo de uma época que já passou, uma época cinzenta e nebulosa, a todos os níveis questionável. O VSC, como instituição, foi nas últimas semanas prova indelével de que a democracia é um sistema maleável, prestável a aparentes ditaduras das maiorias, ainda que essas (mais que duvidosas) maiorias tivessem sido alvo preferencial de sebastianismos enganadores e de pútridas declarações pintadas em tons atractivos para que os de memória curta, os impiedosamente amorais e os mais facilmente impressionáveis pudessem exercer a sua liberdade de "deitar" Pimenta.
A democracia precisa deles para funcionar, ainda bem que existem, pois aqui está uma boa maneira de esta se reafirmar e consolidar consecutivamente, predispondo-se à discussão e a uma continuada revitalização. Mérito aos sócios do VSC. Neste aspecto, só posso agradecer a Pimenta Machado o facto de ter contribuído nestes dias para a destruição - em curso desde 2003 - do mito pimentista. Obrigado e não volte.
Sobram dois. Pinto Brasil, de fala alarve e empinada, e Emílio Macedo da Silva. Sobre a presidência deste último, ocorrem-me sempre que nela reflicto, as palavras de um general romano que em tempos idos declarou sobre os Viriatos, esse "povo que não governa nem se deixa governar". Palavras sábias, vindas de um observdor externo, imparcial e descomprometido. Também os há hoje, mas não somos nem podemos ser nós. Ninguém como nós se gosta de sentir agrilhoado, muito menos quando qualquer decisão ou gesto presidencial nos atinge como se roubassem o chupa-chupa a um filho nosso ou remexessem na nossa mais-que-tudo gaveta da mesinha de cabeceira.
Do ADN do Vitoriano faz parte um amor quase petrarquiano ao Clube, e não permitimos que ninguém lhe faça mal. Pimenta disse que o VSC era como um filho, esquecendo-se que falava do filho de todos nós. Só não lhe contamos histórias à noite nem lhe levamos o leite à cama antes de dormir porque as nossas mulheres, mães ou namoradas ficariam seriamente preocupadas com a nossa sanidade mental se nos vissem afagar com olhar choroso e embevecido o galhardete ou a camisola de treinos do nosso querido VSC.
Ora aquela que foi, é e continuará a ser a grande força e o grande património deste Clube é também um dos seus maiores focos de instabilidade. A frase pode parecer dura demais ou injusta, mas é verdadeira. Contra mim falo, já que faço o mesmo. Berro como todos berram, insultam como todos insultam, gesticulo; mas sei, bem lá no fundo, que é mais fácil as ilhas Vanuatu declararem já hoje guerra aos Estados Unidos do que contentar a 100% um Vitoriano.
Pois é tempo de calma. O VSC tem sido em todos estes anos um antro de sectarismo e de acirrados antagonismos, que só prejudicam o Clube. O VSC não é suficientemente grande para tanta crispação, tanta maledicência barata, tanta crítica destrutiva e tanta animosidade contra os presidentes ou contra grupos de sócios.
Tudo piora quando existe um factor de instabilidade, externo ao Clube, que nos faz remoer de raiva por dentro, chamado Sporting de Braga. Este tem sido outro grande problema do VSC, e que tem injustificadamente transbordado para a vida interna do Clube. O exemplo do SCB é frequentemente citado quando alguma coisa no VSC corre mal. Mas muitos Vitorianos esquecem-se que o Braga passou anos sucessivos sem alcançar qualquer tipo de sucesso. Há quantos anos é Salvador (sim, esse que nos admira) é presidente do Braga? Quantas desilusões tiveram os adeptos do Braga antes deste ano, o ano de todas as maravilhas? Quanta e que tipo de contestação interna tem Salvador? Tem alguém a minar-lhe o caminho, tem presidentes da Assembleia Geral a fazer líder da oposição? Tem ex-dirigentes ricos de berço e pobres de maneiras a achincalhar direcções ao desbarato? E já que se fala tanto em contas, qual o passivo do Braga? O Braga, clube de todas as ilusões, e incomensuravelmente mais pequeno do que o VSC, respira saúde financeira por todos os poros? No Braga houve paciência, houve um presidente que pegou no clube e que passo a passo o levou à época que hoje meritoriamente protagonizam. Muita coisa correu mal pelo meio. E no VSC? Se precalços da mesma dimensão acontecem, cai o Carmo e a Trindade. As direcções do VSC não podem ser culpabilizadas pelo sucesso dos rivais.
O exercício da cidadania - neste caso de associação - deve ser responsável e racional.- A responsabilidade dos sócios é fazer críticas, preferencialmente construtivas, e não associar todo e qualquer assunto do Clube à falta de golos nas balizas adversárias.
Os Vitorianos têm de pensar o que de bem e de mal foi feito nos últimos anos, o que o Clube alcançou e cresceu (muito), mas têm de estar cientes das suas dificuldades, compreendendo que o Céu não é o limite. Todos queremos mais, mas não podemos estar com quantro pedras na mão cada vez que uma direcção toma ou se prepara para tomar uma decisão, e muito menos quando a equipa entra em campo. O principal papel do adepto é apoiar, tanto a equipa como as direcções. Não incondicionalmente, mas com responsabilidade e moderação.
Nos últimos tempos o apoio à equipa tem-se esbatido, e a culpa parece ser da direcção. Não o é. Este princípio é errado, são os sócios que devem puxar pela equipa e não o contrário; devemos pensar o que podemos fazer pelo VSC e não no que o Clube pode fazer por nós. Os Vitorianos não estão a deixar de ser únicos. Os Vitorianos SÃO e continuarão a ser únicos, mas devem apostar em dar às direcções e aos restantes profissionais do Clube mostras da sua grandeza, de modo a que todos eles percebam onde estão e o que deles se espera. Não nos podemos substituir a funcionários, dirigentes e jogadores do Clube, nem ser impiedosamente críticos quando as coisas correm menos bem. O nosso papel como sócios amantes deste Clube é fazer o que fazemos melhor, aderência em massa aos treinos, iniciativas pujantes e merecedoras da atenção e do respeito de todos, divulgação do nosso Clube além cidade, etc. Enfim, ser criativos como sempre fomos e como sabemos ser. Não devemos tentar a todo o custo levantar a voz acima dos outros com mezinhas milagrosas para o sucesso do Clube, nem com receitas infalíveis, nem com ideias iluminadas. A era do "eu é que sei", do "eu faria melhor", do "eles são todos burros", do "eu é que tinha razão" seria bom que acabasse. Quer queiramos quer não, esta é a verdadeira força do Clube, na ausência de cofres cheios de milhões para comprar jogadores. Sem esta massa associativa, o VSC é apenas mais um. Pensemos o Clube sim, mas sobretudo pensemo-nos a nós também - para que o VSC não se vulgarize.
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