segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Filme da Década.


Seria difícil concordar mais com a escolha que a Total Film de Fevereiro faz para melhor filme da década. There Will Be Blood, de Paul Thomas Anderson, foi o ilustre escolhido. Surpreendente e fascinante a todos os níveis, a obra de P.T. Anderson destaca-se das demais (e quantos excelentes filmes houve nos últimos dez anos) pela aura épica de Daniel Plainview, mais uma assombrosa interpretação de Daniel Day-Lewis.
Mas para além do génio absoluto de Day-Lewis, There Will Be Blood é um recrudescer de emoções afiadas como uma lâmina, irrepreensivelmente potenciadas por P.T. Anderson e protagonizadas por Plainview e pelo reverendo Eli Sunday (Paul Dano). De um lado a ambição de Plainview pelo ouro negro, extensão natural da sua vida; do outro, a ambição de Sunday em fazer a sua Igreja lucrar com as prospecções de petróleo. Deste confronto de egos e de ambições resulta uma encarniçada luta entre dois homem de mundos diferentes e aparentemente indestrutíveis. Toda a estética do filme é esmagadora, crua, por vezes até cruel, num sublime reflexo do perfil psicológico da dupla de protagonistas.
There Will Be Blood, passe o cliché, é de facto aquilo que se chama um "clássico instantâneo". Há muitos poucos filmes tão poderosos e eloquentes como este, não só na última década mas em toda a história do cinema. Não levou para casa o Óscar (como deveria), mas isso não lhe retira ponta de mérito.


domingo, 24 de janeiro de 2010

O Que Pensa o Urso?


Gigante euroasiático e país de inúmeras e insofismáveis contradições, a Rússia não enveredou por um caminho democrático ou democratizante durante o postulado de Vladimir Putin. Mais do que as contradições e o estigma do enigma que a persegue, a Rússia de Putin demonstrou ao mundo a actualidade da realpolitik e da hard politics. Putin não é Bismarck, mas soube como ninguém tirar partido das potencialidades do seu país, ao mesmo tempo que procurou, pelo menos até 2004, que o Ocidente abrisse à Rússia as portas das suas instituições e a aceitasse como a sua grandeza impunha: um parceiro igual e necessário. Como se sabe, sem sucesso.
O período que a Rússia atravessa é crucial para o seu papel no mundo nas décadas futuras. O país, apesar dos avultados recursos naturais, não detém um sistema político robusto e suficientemente bem entrosado entre os seus diferentes níveis, não apresenta um modelo de desenvolvimento económico a longo prazo que permita enfrentar os desafios que se vão revelando, e quase não tem aliados. Dentro das suas fronteiras, há um problema demográfico e uma união federal em risco.
A médio e a longo prazo, a Rússia terá que harmonizar as suas regras internas e a sua política externa, ainda hoje típica de uma grande potência do século XIX, e não de uma grande potência do século XXI. A interdependência entre os países desenvolvidos é hoje um dado incontornável, e ficar fora desse "jogo" não será opção para um país como a Rússia, cujos devaneios unilateralistas tenderão a acabar num futuro não muito distante.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

1910 ou 2010?

Ramalho Ortigão podia facilmente ser hoje um opinion-maker em Portugal:
"A indisciplina geral, o progressivo rebaixamento dos carácteres, a desqualificação do mérito, o descomedimento das ambições, o espírito de insubordinação, a decadência mental da imprensa, a pusilanimidade da opinião, o rareamento dos homens modelares, o abastardamento das letras, a anarquia da arte, o desgosto do trabalho, a irreligião, e, finalmente, a pavorosa inconsciência do povo."
Ramalho Ortigão, Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, 1910.