segunda-feira, 30 de março de 2009

Playboy à Nossa Moda.


Após tantos anos, alguém se lembrou de publicar a Playboy em Portugal. Não contesto a ambição do projecto, muito menos o facto de a sua publicação constituir mais uma prova da abertura das mentalidades em Portugal durante as duas últimas décadas. Tudo isto é verdade, e nada tem de negativo.
Não consigo, no entanto, tirando o expectável interesse e curiosidade iniciais, vislumbrar um futuro airoso para a revista em Portugal. A revista tem um par de artigos com alguma profundidade, mas não vai além do que as outras revistas direccionadas preferencialmente ao público masculino já fazem. Não há uma única secção da revista que seja realmente diferente das outras publicações do género, designadamente da GQ. Pelo contrário, e tendo em conta este primeiro número, parece-me até estar bem em desvantagem: exceptuando o consensual Nuno Markl, não há colunas especialmente interessantes; Costinha e Pacman são são exactamente figuras nacionais de primeira linha; e até a menina da capa poderia ter sido muito melhor escolhida. Para não falar do preço, mais elevado.
Assim, e para além da nudez (pouco explícita) das partes baixas das meninas, a Playboy é mais do mesmo. Não acredito pois que apenas a falta de cuecas leve o público masculino de todas as idades a correr a comprar a Playboy todos os meses. Como é sabido, para isso há outras opções.
Veja lá, Sr. Hefner, não entre em mais despesas que os tempos são de crise e as coisas pelos seus lados não lhe têm corrido nada bem. Oxalá esteja enganado.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Ainda a pérola de Eastwood...

Ainda a propósito de Gran Torino, torna-se imperioso ouvir o tema de Jamie Collum. É uma melodia assombrosa e de derreter quaisquer "Walt Kowalskis" que por aí deambulem. Uma vénia ao senhor, isto é qualquer coisa. Ouvi-la é sentir o filme.


Gran Torino.


Naquela que é provavelmente a sua última participação num filme como actor, Eastwood dá mostras de não vacilar. Pelo contrário, Gran Torino é uma obra esteticamente bela, algo que nem a crueldade de alguns momentos consegue esbater. Magistralmente, como se não estivéssemos já habituados, Eastowood é frio e pujante no enquadramento que constrói sobre os tormentos e sobre as pequenas injustiças de um bairro residencial marcado por problemas sociais e pelos constantes despiques raciais entre gangs, problema transversal a não poucas sociedades ocidentais.
Eastwood é cáustico e ultra-draconiano ao longo de quase todo o filme: mais do que os despiques entre gangs, é o despique entre um velho solitário, marcadamente old school, perseguido por fantasmas do passado, cravejado pela experiência; e um miúdo perdido também ele na sua solidão, amargurado por uma vida sem rota definida. Para complicar tudo, dá-se o caso de o miúdo ser hmong, um grupo étnico asiático que se divide por vários países do sudeste daquele continente. Daqui já se depreende da transformação de 180 graus que dá a personagem interpretada por Eastowood, Walt Kowalski. De velho rabugento, desconfiado, ultra-protector, atormentado, Walt encontra um inesperado escape e redenção última na afeição à família do jovem hmong. Gran Torino é a viagem psicológica final de um velho, sufocado, e que não encontra na família biológica qualquer conforto, e pela qual só sente desdém. Doente, sentindo que já não está para durar, Walt protagoniza um derradeiro acto de justiça, e paga-o intencionalmente com a vida.
Gran Torino é soberbamente clássico, sublimamente abordado, e com uma toada que transpira Shakespeare por todos os poros. Eastwood não brinca. Pode ser sorrateiro, mas ele está aí; confirmando uma vez e mais outra a sua indelével mestria. Como se não o soubéssemos já.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Synkronized (1999).


Faz este ano uma década que Synkronized viu a luz do dia. Por meados de 1999, Jay Kay e os seus lançavam aquele que pode até nem ser o seu registo mais bem conseguido, mas aquele que mais decididamente definiu e delineou o quadro dos meus gostos musicais. Synkronized é um álbum da "minha" época, daquela verde época em que ainda se está a separar o trigo do joio, daqueles recambolescos e indefinidos anos em que andamos à procura do que somos (não só mas também) um pouco pelo que ouvimos. Posso por isso dizer que Synkronized foi o meu mais decisivo trampolim para outros voos, para outras andanças.
O mérito de Synkronized é tanto devido à sua inegável qualidade, como à altura em que surgiu. Surgiu-me na altura ideal, precisamente na altura em que decidi explorar mares musicais desconhecidos. E por aí ficou. Ouvi e não mais larguei. Até hoje, é o disco mais ouvido da minha vida. Synkronized é como um velho amigo que não se vê há muitos anos, mas que apesar do tempo não perde proximidade, muito menos cumplicidade. Hoje, olho para Synkronized, esse good old chap, com um misto de ternura e de agradecimento por me ter iluminado trilhos musicais de qualidade.
Só não acredito é que já lá vão dez anos.

sexta-feira, 20 de março de 2009

É Possível Outra Ditadura Na Alemanha?


Há filmes perturbadores. Die Welle ("A Onda"), de Dennis Gansel, é um desses. Talvez mais do que um filme, seja um manual de instruções sobre as fragilidades e incongruências da natureza humana. Die Welle levanta questões sobre a nossa identidade enquanto cidadãos, mas sobretudo enquanto sujeitos pensantes dotados de bom senso e de inteligência.
Die Welle faz o retrato de uma turma liceal absolutamente banal que é conduzida numa experiência inovadora pelo seu professor de História. A ideia é ensinar o que é uma autocracia. Herr Wenger, assim se chama (ou se faz chamar) o professor, propõe colocar em prática uma autocracia dentro da sala de aula, algo que desde cedo chamou a atenção dos alunos, cansados de referências pouco inovadoras ao III Reich. Os resultados são devastadores e surpreendentes: não só os alunos passaram a acatar as disposições comportamentais de uma autocracia (disciplina, unidade, obediência) como fizeram aquilo que supostamente seria uma mera experiência pedagógica resvalasse para fora dos muros da escola, tornando-a incontrolável. É arrepiante ver como o passado pode ser tão abjecta e maquinalmente ignorado, em prol de um movimento aglutinador das consciências individuais, responsável por actos orquestrados por verdadeiros nazizinhos de laboratório.
Die Welle capta na perfeição a facilidade como a humanidade pode ser conduzida ao mais trágico dos destinos, se hipnotizada devidamente e se lhe forem ditas as palavras certas no momento certo. No início do filme, como resposta à pergunta "Acham possível uma nova ditadura na Alemanha?", esta foi breve e imediata: "Não. Somos demasiado esclarecidos." Na cena final do filme (fantástica por sinal), tal convenção é completamente aniquilada pelo discurso envolvente e cativante de Wenger para os seus alunos, numa farsa final intencionalmente montada para desmascarar a cegueira geral que até aí se tinha apoderado da turma, e procurando fazê-los voltar à razão. Tal é conseguido, e os alunos acordam do torpor, não sem antes se depararem constrangidos com o rumo que os seus actos levavam. O pior de tudo é que o preço a pagar foi elevado. Demasiado elevado para adolescentes. Definitivamente a ver.

Resposta à pergunta inicial: sim, é possível.

quarta-feira, 18 de março de 2009

The Wrestler.


Se há algo que aparece clarividente aos olhos de qualquer um após no retrato intimista e indelevelmente humano de The Wrestler, é que Mickey Rourke está (aparentemente) de volta. Rourke tem uma interpretação genial, daquelas que colam imediatamente um actor a uma dada personagem. Rourke conseguiu isso, algo que está ao alcance de muito poucos.
Sendo verdade que The Wrester gira em torno da interpretação de Rourke, também não o é menos que o filme não se resume a isso. A vida atribulada de Randy “The Ram” Robinson – em certa medida análoga à vida real de Rourke – espelha os bastidores de uma actividade nem sempre olhada com respeito pela sociedade. Debaixo dos músculos e da encenação idílica dos combates há toda uma realidade muito particular; misto de companheirismo, de solidariedade, de angústia perante um futuro adiado aos poucos, e de um quotidiano marcado pelas mazelas físicas e psicológicas que vão sendo irreversivelmente sulcadas. Aronofsky mostra tudo isto de forma sóbria, sem floreados, adoptando uma postura que encaixa na perfeição com o tema tratado. O filme não precisa de mais, está tudo lá.
Não deixa também de ser curioso reparar na maneira como The Wrestler é capaz de incutir no espectador sentimentos tão contraditórios quanto passageiros: desde a empatia que a lealdade patente no mundo wrestler a espaços vai gerando, até às "facadinhas" emocionais advindas de momentos perniciosos como o intenso drama familiar vivido com a filha, ou como o tortuoso caminho percorrido até à conquista definitiva (?) do amor.
A par disto, The Wrestler traz consigo resquícios do que foi a cultura popular dos anos 80, pura mas ainda desconexa em muitos sentidos – a que o tema de Boss Springsteen vem acrescentar uma certa dose de ternura. Imperdível.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Inimigos de Peso.


Parece-me que vem aí algo em grande. Michael Mann, que rubricou películas tremendas como Heat ou Colateral, volta em Julho com Public Enemies, filme que pelo que tenho visto será dos melhores do ano. Juntos estão dois protagonistas fabulosos: Depp não corta gargantas a clientes desprevenidos, mas dá uso à sua metralhadora de forma implacável pelas ruas de Chicago. Bale é o destemido agente do FBI que lhe dá caça, e que além da missão de fazer cumprir a lei, dá início a uma encarniçada luta pessoal com Dillinger (Depp) que promete grandes momentos de acção de qualidade. É daqueles filmes para ver de olhos arregalados e de sorrisinho cúmplice ao canto da boca.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ali Não Se Dorme.


A capa da Volta ao Mundo deste mês remete-me para uma das melhores experiências da minha vida. Era muito novo é certo, novo demais provavelmente para apreciar devidamente uma cidade como Nova Iorque. Mas lembro-me do movimento, do rush, daquele frenesim tão típico mas ao mesmo tempo ainda tão distante. Nova Iorque é a cidade dos sonhos e cada um vive-a muito à sua maneira, segundo padrões próprios. É uma cidade diferente com o mundo lá dentro, é a capital da tolerância e da liberdade.
Lembro-me da Times Square, assombrosa pelo néon das luzes. Lembro-me da ilha do emigrante, porta de entrada para um admirável mundo novo. Lembro-me da escadaria da Estátua da Liberdade, a perder de vista. Lembro-me da Catedral católica de St. Patrick. Lembro-me de olhar boquiaberto para a infinidade da 5ª Avenida. Lembro-me da Lexington, do átrio do Lowe's, do ritual de comer na rua como qualquer outro. Lembro-me da envolvência pouco familiar de Chinatown e do colossal Central Park. Lembro-me do sítio onde Lennon foi assassinado, dos yellow cabs, dos Lincoln's, e das Torres Gémeas de pé. Lembro-me de tentar capturar a grandeza esmagadora do Empire State e de não ter conseguido.
Lembro-me disso tudo e de muito mais. E digo que tomar o pulso áquela cidade é tomá-la como nossa. Não saí de lá apenas português, saí nova-iorquino. Saí mais cidadão do mundo do que era antes.
Como diz a célebre canção e muito bem:
New York, you're perfect
Don't please don't change a thing...

terça-feira, 10 de março de 2009

Jolene (1974).

Jolene é uma canção poderosa como poucas. Editada nos longínquos de 74, no álbum homónimo de Dolly Parton, Jolene é a súplica chorosa de uma mulher pelo amor do seu marido, fatalmente atraído por outra mulher. Jolene impressiona não apenas pela intrincada melodia, mas sobretudo pelos sentimentos que lhe estão subjacentes: o medo da perda, a fragilidade das estruturas que nos sustentam, e a manifesta impotência face a alguém com quem é impossível lutar.
A isto junta-se um rock potente e corrosivo, que catapulta a letra para um nível superior. Jolene foi alvo de inúmeras versões, embora uma se destaque: a dos White Stripes, que pela mestria de da guitarra de Jack lhe prestam uma digna homenagem. Além da versão abaixo - tocada em Blackpool - recomenda-se também a versão de estúdio, mais "arrumadinha", mas não menos enérgica.


segunda-feira, 9 de março de 2009

O AECT Galiza - Norte de Portugal: Uma Esperança? (II)


Um AECT engloba responsabilidades em matéria de política regional que outrora, directa ou indirectamente, eram exclusivas dos Estados-membros. Este facto é ainda mais notório em Portugal, por via da sua forma de governo una e centralizada – ao contrário de Espanha, composta por Comunidades Autónomas. O AECT vem transformar a relação das regiões com os órgãos do poder central, reivindicando para si um ambicioso grau de autonomia em matéria de selecção de prioridades com vista ao investimento de fundos comunitários.
O AECT Galiza - Norte de Portugal terá como entidades constitutivas iniciais a Junta da Galiza e a Comissão para o Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), não se prevendo por enquanto a participação de mais qualquer entidade regional ou dos respectivos Estados. Ficou acordado em convénio um capital inicial de cem mil euros para cada entidade, a fim de impulsionar a colocação em prática da AECT. Acordada ficou também a localização da sede, em Vigo, e nomeação a futura de um director, que será português. O AECT Galiza - Norte de Portugal vai de encontro ao preconizado pelas directivas comunitárias para o período 2007-2013, ajustando-se plenamente ao por elas estipulado, estando voltado para objectivos como a melhoria dos sistemas de transporte e das acessibilidades; para o aumento da cooperação no âmbito do mar; para o aumento da competitividade das PME’s da Euro-região; para a protecção ambiental e desenvolvimento urbano sustentável; e para o fomento da cooperação e da integração social e institucional.
O AECT inaugura uma nova forma de relacionamento entre os vários níveis de poder dentro da União, e aparece como um elemento transformador do próprio método comunitário, conferido uma dimensão mais alargada e profunda ao princípio da subsidiaridade, uma das ideias-chave sob a qual assenta a União Europeia. E atendendo à receptividade que teve e tem tido em regiões de toda a União, parece vir a tornar-se (assim se espera) um caso sério de sucesso, do qual se espera que esta região retire os dividendos esperados. Para já, há que reconhecer a importância do seu pioneirismo. Resta saber se a uma bela ideia se juntarão resultados práticos, especialmente em matéria de emprego e de competitividade, da qual a nossa região, muito especialmente o sempre atrasado lado português, está carente.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Sea Change (2002).



Sea Change é um álbum difícil de qualificar. Vem de alguém que desde cedo habituou o público a canções cuja parafernália sonora desde cedo agradou e lhe marcou o estilo. "Isto é Beck de certeza" dizem muitos qundo confrontados com "aquele" som. Beck de si já difícil de qualificar. Mas quando em 2002 lança Sea Change, depois de pérolas como Odelay, a sua legião de fãs franzia o sobrolho. Em vez de "isto é Beck de certeza" passou a dizer "isto é Beck??? De certeza!!?". Sim, é Beck. Sea Change não só é Beck, como é o melhor Beck que eu já ouvi.
Doze canções escritas depois de findo um amor de longa data, doze diamantes de um lirismo quase canónico. A música, de uma tristeza suave, reconfortante, pura e despretensiosa. Brotando sentimento por todos os lados, Sea Change são duas mãos cheias de uma simbiose perfeita e maravilhosa. O simplismo dos versos é encantador, não só pelo que revela mas pelos mundos que deixa por revelar, e que nem todos percebem.
Sea Change é dos melhores álbuns de sempre, e merece ser (re)descoberto por muito boa gente. Possuir esta obra-prima é nada menos que um orgulho.