quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

The Road.


A obra literária vencedora do Prémio Pulitzer para ficção em 2007 é nada menos que assombrosa. Cormac McCarthy, autor tarimbado e cada vez mais admirado, rubrica um romance enigmático, mas com muitas pontas soltas onde nos agarrarmos e reflectirmos. The Road transporta o leitor para um mundo pós-apocalíptico onde quase toda a vida no planeta desapareceu.
The Road é um relato fascinante de uma missão hercúlea em que pai e filho tentam, por todos os meios possíveis e imaginários, chegar à costa por entre um continente americano desolado, onde abundam grupos canibais ("the bad guys"). É este o pano de fundo para uma saga de sacrifício, sofrimento em doses massivas e muito, muito amor paternal, em contraste absoluto com a paisagem e com a bíblica tarefa que pai e filho têm de superar.
Neste contraste reside a riqueza da história, e é aqui que McCarthy mostra o seu génio literário: apesar da devastação e da aniquilação da civilização tal como a conhecemos, há espaço para aquilo que de melhor tem a raça humana, o amor pelo próximo, o qual é capaz de superar tudo e de explicar o grande mistério da vida.
O filnal é surpreendente, digno dos grandes clássicos, e constitui a súmula de toda a mensagem de McCarthy, um dealbar de esperança num futuro novo. Após ter protagonizado a destrição do seu planeta, só é permitida à raça humana um "reset" pelo mais simples e ao mesmo tempo mais complexo dos sentimentos. Um livro poderoso, assente no imaginário assustador mas credível de McCarthy, arrepiantemente cru e cruel na forma, mas portador de um desesperado repto a que é impossível ficar indiferente.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Uma Casa Vitoriana Com Certeza.


Depois de assente a poeira motivada pela indecisão de Pimenta Machado em concorrer à presidência do VSC, e agora que já é possível falar em candidatos efectivos e não em pré ou pseudo-candidatos, entendo ser esta a altura correcta para discorrer algumas ideias sobre o acto eleitoral e sobre o futuro do Clube.
Em primeiro lugar, é para mim um alívio saber que Pimenta Machado não é candidato. O direito de concorrer assiste-lhe como qualquer outro sócio que tenha as cotas liquidadas, ainda que todas de uma vez. Mas Pimenta não seria uma candidato qualquer. Pimenta representa um passado que o VSC não deve, para seu bem, escamotear. Pimenta é o símbolo de uma época que já passou, uma época cinzenta e nebulosa, a todos os níveis questionável. O VSC, como instituição, foi nas últimas semanas prova indelével de que a democracia é um sistema maleável, prestável a aparentes ditaduras das maiorias, ainda que essas (mais que duvidosas) maiorias tivessem sido alvo preferencial de sebastianismos enganadores e de pútridas declarações pintadas em tons atractivos para que os de memória curta, os impiedosamente amorais e os mais facilmente impressionáveis pudessem exercer a sua liberdade de "deitar" Pimenta.
A democracia precisa deles para funcionar, ainda bem que existem, pois aqui está uma boa maneira de esta se reafirmar e consolidar consecutivamente, predispondo-se à discussão e a uma continuada revitalização. Mérito aos sócios do VSC. Neste aspecto, só posso agradecer a Pimenta Machado o facto de ter contribuído nestes dias para a destruição - em curso desde 2003 - do mito pimentista. Obrigado e não volte.
Sobram dois. Pinto Brasil, de fala alarve e empinada, e Emílio Macedo da Silva. Sobre a presidência deste último, ocorrem-me sempre que nela reflicto, as palavras de um general romano que em tempos idos declarou sobre os Viriatos, esse "povo que não governa nem se deixa governar". Palavras sábias, vindas de um observdor externo, imparcial e descomprometido. Também os há hoje, mas não somos nem podemos ser nós. Ninguém como nós se gosta de sentir agrilhoado, muito menos quando qualquer decisão ou gesto presidencial nos atinge como se roubassem o chupa-chupa a um filho nosso ou remexessem na nossa mais-que-tudo gaveta da mesinha de cabeceira.
Do ADN do Vitoriano faz parte um amor quase petrarquiano ao Clube, e não permitimos que ninguém lhe faça mal. Pimenta disse que o VSC era como um filho, esquecendo-se que falava do filho de todos nós. Só não lhe contamos histórias à noite nem lhe levamos o leite à cama antes de dormir porque as nossas mulheres, mães ou namoradas ficariam seriamente preocupadas com a nossa sanidade mental se nos vissem afagar com olhar choroso e embevecido o galhardete ou a camisola de treinos do nosso querido VSC.
Ora aquela que foi, é e continuará a ser a grande força e o grande património deste Clube é também um dos seus maiores focos de instabilidade. A frase pode parecer dura demais ou injusta, mas é verdadeira. Contra mim falo, já que faço o mesmo. Berro como todos berram, insultam como todos insultam, gesticulo; mas sei, bem lá no fundo, que é mais fácil as ilhas Vanuatu declararem já hoje guerra aos Estados Unidos do que contentar a 100% um Vitoriano.
Pois é tempo de calma. O VSC tem sido em todos estes anos um antro de sectarismo e de acirrados antagonismos, que só prejudicam o Clube. O VSC não é suficientemente grande para tanta crispação, tanta maledicência barata, tanta crítica destrutiva e tanta animosidade contra os presidentes ou contra grupos de sócios.
Tudo piora quando existe um factor de instabilidade, externo ao Clube, que nos faz remoer de raiva por dentro, chamado Sporting de Braga. Este tem sido outro grande problema do VSC, e que tem injustificadamente transbordado para a vida interna do Clube. O exemplo do SCB é frequentemente citado quando alguma coisa no VSC corre mal. Mas muitos Vitorianos esquecem-se que o Braga passou anos sucessivos sem alcançar qualquer tipo de sucesso. Há quantos anos é Salvador (sim, esse que nos admira) é presidente do Braga? Quantas desilusões tiveram os adeptos do Braga antes deste ano, o ano de todas as maravilhas? Quanta e que tipo de contestação interna tem Salvador? Tem alguém a minar-lhe o caminho, tem presidentes da Assembleia Geral a fazer líder da oposição? Tem ex-dirigentes ricos de berço e pobres de maneiras a achincalhar direcções ao desbarato? E já que se fala tanto em contas, qual o passivo do Braga? O Braga, clube de todas as ilusões, e incomensuravelmente mais pequeno do que o VSC, respira saúde financeira por todos os poros? No Braga houve paciência, houve um presidente que pegou no clube e que passo a passo o levou à época que hoje meritoriamente protagonizam. Muita coisa correu mal pelo meio. E no VSC? Se precalços da mesma dimensão acontecem, cai o Carmo e a Trindade. As direcções do VSC não podem ser culpabilizadas pelo sucesso dos rivais.
O exercício da cidadania - neste caso de associação - deve ser responsável e racional.- A responsabilidade dos sócios é fazer críticas, preferencialmente construtivas, e não associar todo e qualquer assunto do Clube à falta de golos nas balizas adversárias.
Os Vitorianos têm de pensar o que de bem e de mal foi feito nos últimos anos, o que o Clube alcançou e cresceu (muito), mas têm de estar cientes das suas dificuldades, compreendendo que o Céu não é o limite. Todos queremos mais, mas não podemos estar com quantro pedras na mão cada vez que uma direcção toma ou se prepara para tomar uma decisão, e muito menos quando a equipa entra em campo. O principal papel do adepto é apoiar, tanto a equipa como as direcções. Não incondicionalmente, mas com responsabilidade e moderação.
Nos últimos tempos o apoio à equipa tem-se esbatido, e a culpa parece ser da direcção. Não o é. Este princípio é errado, são os sócios que devem puxar pela equipa e não o contrário; devemos pensar o que podemos fazer pelo VSC e não no que o Clube pode fazer por nós. Os Vitorianos não estão a deixar de ser únicos. Os Vitorianos SÃO e continuarão a ser únicos, mas devem apostar em dar às direcções e aos restantes profissionais do Clube mostras da sua grandeza, de modo a que todos eles percebam onde estão e o que deles se espera. Não nos podemos substituir a funcionários, dirigentes e jogadores do Clube, nem ser impiedosamente críticos quando as coisas correm menos bem. O nosso papel como sócios amantes deste Clube é fazer o que fazemos melhor, aderência em massa aos treinos, iniciativas pujantes e merecedoras da atenção e do respeito de todos, divulgação do nosso Clube além cidade, etc. Enfim, ser criativos como sempre fomos e como sabemos ser. Não devemos tentar a todo o custo levantar a voz acima dos outros com mezinhas milagrosas para o sucesso do Clube, nem com receitas infalíveis, nem com ideias iluminadas. A era do "eu é que sei", do "eu faria melhor", do "eles são todos burros", do "eu é que tinha razão" seria bom que acabasse. Quer queiramos quer não, esta é a verdadeira força do Clube, na ausência de cofres cheios de milhões para comprar jogadores. Sem esta massa associativa, o VSC é apenas mais um. Pensemos o Clube sim, mas sobretudo pensemo-nos a nós também - para que o VSC não se vulgarize.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Poder pelo Exemplo.


O jornal Expresso avança hoje com uma notícia surpreendente e inesperada. Fernando Nobre, fundador e presidente da Assistência Média Internacional (AMI), vai apresentar uma candidatura à Presidência da República.
Depois de um primeiro impacto de estranheza e de alguma interrogação, motivado mais pela surpresa do que por outra coisa qualquer, esta candidatura merece desde já o meu aplauso e a minha mais profunda simpatia. Desde logo pelo perfil e pela obra humanista a que Fernando Nobre dedicou toda a sua vida. Não sendo um político profissional - e muito menos um "animal político" - tal joga a seu favor numa candidatura a um cargo que, por definição constitucional, deve garantir entre outras prerrogativas, a "unidade do Estado".
Uma figura tão comummente respeitada fica automaticamente mais propícia à geração de consensos dentro da sociedade portuguesa, uma condição importante para o regular desempenho das funções de Presidente da República. A candidatura de Fernando Nobre personifica uma dimensão ética a que a política tradicional nunca devia estar alheia, e desperta a natureza suprapartidária desta eleição, algo que é muito positivo para o sistema político português e para a própria República, que este ano celebramos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Alma-Ata.







Alma-Ata, Casaquistão. Dezembro de 2009.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Mundo Está Menos Democrático.

É esta a conclusão de um relatório da Freedom House, a ser publicado na íntegra na próxima Primavera, que dá conta de um regressão da liberdade no mundo. O assunto é tema central de um interessante artigo do The Economist, incluído na edição deste mês do Courrier Internacional.
Altamente aconselhável, o artigo reflecte sobre o estado da liberdade e da democracia liberal no mundo, que durante os últimos anos não tem conhecido evoluções positivas. Há mais estados recentemente entrados no lote dos "não livres" do que aqueles que fizeram o caminho inverso. A realidade, pura e dura, é um sinal claro de que a comunidade dos países livres, bem como as organizações políticas e económicas internacionais não têm tido sucesso na promoção da democracia, dos respeito pelos direitos humanos, e da liberdade económica um pouco por todo o mundo - valores que não sendo os mesmos geralmente aparecem associados.
É tão importante apurar as causas desta regressão como repensar o tipo de política e de envolvimento em zonas do mundo "não livres" seguido pelo mundo democrático, e com poder para o fazer. A reflexão, oportuna, levada a cabo pelo artigo presta atenção tanto a um ponto como a outro.
A maior causa para a regressão da democracia no mundo parece ser o descrédito da ideia de que um sistema político pode exportado por via das armas, aliado à evoluções registadas no sistema internacional como a ascensão de potências como a Rússia e a China: se, por um lado, Moscovo tem constituído um sério entrave à promoção do soft power europeu, Pequim tem feito provar que liberdade económica é compatível com um sistema política autocrático.
As democracias terão pois desafios difíceis e complexos pela frente, pois terão de provar continuamente que um sistema político democrático e respeitador dos direitos humanos é o sistema que melhor assegura a riqueza, a prosperidade económica, a segurança e a justiça no seio das sociedades. Felizmente, continua a ser verdade que os sistemas autoritários são mais passíveis de instabilidade do que as democracias; e que um clima de liberdade e o pensamento livre, plural e independente oferecem melhores condições para um desenvolvimento económico sustentado do que a alternativa autoritária. Em suma, e conforme remata o artigo, "a democracia não prevalecerá se os seus defensores não governarem bem."

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

The Company (2007).


No tempo em que o mundo se dividia em dois blocos político-económicos antagónicos e irreconciliáveis, as actividades desenvolvidas pelas agências governamentais de espionagem e contra-espionagem detinham uma importância primordial no decurso dos acontecimentos. Por outras palavras, a "guerra" era "fria" precisamente porque disputada por meios não tradicionais, e em que por vezes valia mais o génio pessoal dos homens por detrás dos dois lados da barricada.
The Company, mini-série de dois episódios realizada por Mikael Salomon e co-produzida por Ridley Scott, mostra as mundividências do grande jogo que durou 46 a 91, os seus métodos, e sobretudo as regras da profissão, nem sempre vis. O que torna a série surpreendente é exactamente a familiarização com as regras deste jogo e com a abordagem adoptada por quem o jogava: imutáveis e implacáveis, mas com um pano de fundo onde imperava um certo reconhecimento e até respeito e admiração pelos cérebros oponentes.
Sem ser uma série de referência - está longe de o ser - The Company oferece-nos um reflexo privilegiado do fascinante mundo da espionagem, desfazendo alguns mitos (de que tanto gostamos) e mantendo outros. Aparte algumas passagens que pecam por uma desconexão algo simplória, e um ou outro erro de casting, The Company vale a pena pela riqueza com que trata certos aspectos da actividade, tais como o serviçal idealismo dos seus agentes, e a inelutável crença de muitos homens e mulheres de que as guerras não são ganhas apenas no campo de batalha ou atrás dos gabinetes das agências de segurança. Mas no terreno; em Berlim, Budapeste, Cuba e, do ponto de vista sempre parcial dos vencedores, em Washington, bem dentro do seu próprio covil.