quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ainda Havia Gente Decente.


Perante a inevitabilidade de um desfecho trágico para a Alemanha enquanto nação e para os alemães enquanto povo, um punhado de oficiais bem colocados na hierarquia do exército decidiu pôr cobro ao terrível pesadelo de uma guerra há já muito perdida e minorar o sofrimento da população civil, já inútil e em vão. Há quem diga que Hitler foi salvo pela espessura da mesa, há quem diga que poucos segundos antes a pasta foi desviada do ditador o suficiente para não lhe tirar a vida, há quem diga - e esta parece ser a versão mais fidedigna - que não houve tempo para colocar mais um explosivo dentro da pasta, que por certo seria mais do que suficiente para o mandar pelos ares.
A História é pródiga em acasos, uns mais custosos do que outros. Este, concretamente, foi um acaso hediondo, um sarcasmo de Deus, uma incomensurável perfídia da Providência, que protegeu o Mal e o deixou continuar a sua horrível missão por mais nove sangrentos e infindáveis meses.
Para a História, uma ciência que deve contar tudo e não deixar nada por dizer, é preciso que guarde estas memórias com cuidado, para que não se caia na tentação de culpar cega e indiscriminadamente todo um povo pelas atrocidades sobejamente conhecidas, como alguns radicais dos novos tempos insistem em fazer.
Sorte do Diabo, composto por excertos da biografia em dois volumes de Adolf Hitler, Hubris e Nemesis, de Ian Kershaw, é uma leitura interessante em jeito de apanhado das principais motivações do putsch de 20 de Julho de 1944, e da cronologia dos acontecimentos. Dá para ter uma ideia da implantação do movimento oposicionista alemão ao regime e das tentativas (muitas) levadas a cabo para decepar a cabeça do regime e feri-lo de morte. É uma descrição satisfatória do «círculo de Kreisau», o grupo oposicionista em causa, que reunia essencialmente elementos de proveniência aristocrática influenciados pelo movimento juvenil alemão e pela filosofia socialista e cristã, inicialmente atraídos pela força patriótica do nacional-socialismo, mas cedo desiludidos com o rumo bárbaro do regime. Deste grupo veio mais tarde a fazer parte o agora badalado conde de Stauffenberg, de formação católica, perpetrador material do atentado.
Uma leitura breve mas esclarecedora, para limar algumas arestas e interrogações sobre um dia que podia ter representado a salvação antecipada da Europa. Porque na Alemanha hitleriana, também havia heróis.

Sem comentários: