terça-feira, 11 de novembro de 2008

Genial Apocalipse.


Saramago, para além das divinas capacidades de redacção amplamente reconhecidas, é um inventor. Não daqueles que com bata branca estão enfiados em laboratórios a testar reagentes ou daqueles que procuram sulcar novos caminhos para a mecânica ou para a informática; mas daqueles raros seres que fazem rejubilar os seus humildes e embevecidos apreciadores face aos laivos de génio puro que resvalam das suas linhas. Saramago é um predestinado.
Ensaio Sobre a Cegueira, traduzido para o cinema como Blindness, é uma obra que chama a si um mundo apocalíptico saído da mestria de Saramago. Tornando o simples complicado, e o complicado simples, Saramago traça o caótico sucedâneo de acontecimentos despoletados por uma cegueira branca que inexplicavelmente se vai abatendo sobre a Humanidade. Numa cidade qualquer de um país qualquer, num ano qualquer, o terrível fenómeno alastra imparavelmente a todos quanto vêem, fazendo vir ao de cima o mais básico e incontornável da natureza humana. Deixa de haver fachadas sociais, deixa de haver segundas necessidades, deixa de haver ordem e hierarquia, deixa de haver vergonha; mas não deixa de haver sentimentos de pertença, nem deixa de haver entreajuda, nem deixa de haver amor – nem dignidade.
Roubar à Humanidade a faculdade de um dos seus sentidos conduz à destruição da sociedade sobre a qual construímos as nossas crenças e os nossos valores. Sob pano de fundo, está o desmoronar das instituições do Estado e de ordem pública, tornando a vida numa luta pela encarniçada e brutal pela sobrevivência, à espera de um futuro que faria à partida muito pouco sentido. É ler para crer. Saramago, com um premissa aparentemente simples, mergulha o mundo numa assustadora incerteza, que tem tanto de imaginária quanto de real: Até que ponto não andaremos todos cegos, mesmo vendo?

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