quarta-feira, 8 de julho de 2009

Das Verdadeiras Divisões na UE.


O rumo da UE é, já se sabe, fruto do consenso interestadual e da intersecção de interesses dispersos e não raras vezes sensíveis. A posição dos Estados-membros sobre determinada questão é, não pode deixar de ser, o reflexo de um poder independente e internacionalmente reconhecido, ao qual se dá o nome de soberania. Contudo, o enunciado intergovernamental não chega para explicar a génese e a direcção do processo de integração. A UE não é, hoje em dia, um mero agrupamento de Estados nacionais soberanos. A soberania é, nas relações internacionais contemporâneas, um conceito poroso e bastante mais diluído do que o engendrado por Bodin no longínquo século XVI. Mas o que define realmente o rumo da integração europeia, se o enunciado supranacional também apresenta limitações, desde logo pela dificuldade em justificar, por exemplo, a existência de um segundo pilar?
A explicação pode residir nas divisões históricas que têm como protagonistas os mais poderosos Estados europeus, a França e o Reino Unido.
A primeira tem a ver com uma divisão de natureza económica, entre o ‘laissez-faire’ britânico e o dirigismo francês; divisão esta que, historicamente, espelha o desencontro entre uma visão liberal da economia, aberta ao exterior e baseada nos privados; e uma visão estatocêntrica, baseada na percepção de que a Europa deve estar o mais protegida possível face à concorrência exterior, e que deve ser o sector público o principal promotor do desenvolvimento económico.
A segunda, por seu lado, aparece relacionada com a diferente perspectiva que ambos os países têm (hoje mais esbatida) do processo de formação e de desenvolvimento de uma política externa e de segurança comum. De um lado, a perspectiva eminentemente continentalista de Paris, que lateraliza a OTAN; e uma perspectiva atlanticista encabeçada por Londres, que não anui a uma UE com capacidades autónomas da OTAN, a não ser em cenários onde esta não mantenha a intenção de intervir. A dicotomia franco-britânica relativamente a uma política externa e de segurança está na base da pouca integração europeia nestas áreas (política externa, segurança, e defesa), pelo menos quando levada a termo de comparação com outras onde o processo se encontra num patamar bastante mais dinâmico.
Estas divergências, globalmente consideradas, desembocam numa conclusão sobre a problemática do desequilíbrio do processo de integração, que é de certo modo alternativa à simples (ou simplista) referência ao poder dos Estados e à prevalência do seu interesse nacional. Deste modo, pelas divergências de base entre a França e o Reino Unido se pode depreender que as condicionantes ao processo de integração são extensíveis ao domínio económico e político por via não do desacordo entre todos os Estados da UE, mas pelo desacordo entre dois dos seus membros – tendo ambos tendência para liderar o processo. Como consequência directa deste facto há a destacar a amplamente reconhecida imperfeição do Mercado Interno, bem como as sobejamente conhecidas limitações da UE em ter uma voz política una e assertiva na arena internacional. O Mercado Interno e a política externa são áreas-chave para o sucesso de integração europeia, e é nelas que mais se manifesta o desacordo protagonizado por Paris e Londres, a partir da defesa de princípios de base distintos.
É, pois, nos Estados que servem de veículo transmissor das suas posições que reside o verdadeiro poder de influenciar o processo. Do desequilíbrio de poder entre os Estados-membros resulta um desequilíbrio proporcional no avanço sectorial do processo de integração.
Interessante.

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