quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Prova d'Orchestra" de Federico Fellini.


Fellini é um realizador surpreendente. Aparte o seu incontestável génio, do qual já é perda de tempo discernir longamente, o mestre italiano não quis legar a sua obra sem uma referência directa ao tema da música. Muito diferentemente dos seus outros filmes, Fellini opta em Prova d’Orchestra (1978) por uma abordagem mais descomprimida – note-se por exemplo que apenas o maestro é actor profissional, sendo que os restantes são meros actores de ocasião. No entanto, nada disto retira génio ao filme, pelo contrário, apenas o realça.
Fellini traça magistralmente o retrato da relação amor-ódio (mais ódio do que amor) de uma banda para com o seu maestro. A acção ocorre num reduzido espaço, não superior a uma capela transformada em auditório, devido a uma alegada excelente acústica. O espaço revela-se um elemento primordial, porquanto permite articular finamente com a câmara a interacção estreita existente entre os risíveis personagens, fazendo sobre eles abater o seu insondável espectro. Mesmo em tão pouco tempo de filme, parece haver uma definição quase perfeita do carácter irrepetível de cada um dos elementos que compõem a banda, os mesmos que a lançam numa anárquica e contestatária avalanche de emoções e gestos irracionais. A emotividade acelerada da banda lança dúvidas sobre a exequibilidade da empreitada musical, e ainda mais da hierarquia e do respeito pelos quais por convenção se pautam este tipo de colectivos. A lição de Fellini surge então sob a forma de acalmia, depois da inesperada derrocada de uma das paredes da igreja, durante a qual a harpista sai ferida. Todos se apercebem da necessidade da ordem e da harmonia, que apenas podem ser trazidas pela direcção de um maestro competente e sério. O final é soberbo, com toda a orquestra a tocar sublimemente dentro de um conspurcado cenário de uma igreja parcialmente destruída. O binómio ordem/desordem numa melódica realização de Fellini.

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