domingo, 7 de dezembro de 2008

Considerações Sobre Maquiavel (II).


Para Maquiavel, o cerne da questão reside no facto de que ser-se “liberal” é sinónimo de magnificência excessiva; o que significa despesa excessiva e perfeitamente desnecessária. Ao actuar desta forma, acabarão depressa as capacidades financeiras do Príncipe, e começará rapidamente a sobrecarga fiscal sobre o povo – com o correspondente descontentamento e revolta contra o soberano. Não é vital para um Príncipe um gasto deste género. É possível, com muito menos gastos e com mais paciência, obter o apoio do povo sem o risco de o perder a curto prazo: o apoio dos súbditos resultará gradualmente, quando estes se derem conta de que o Príncipe é capaz de “empreender cometimentos” sem custos adicionais.
O Florentino oferece uma perspectiva económica do realismo político, mais concretamente, uma perspectiva de contenção de gastos. Uma estratégia de poupança valerá a fama de “somítico” ao Príncipe, uma fama que depressa se dissipará num momento de maior necessidade e aperto para o Estado. Em conformidade com o seu modo de pensar – não se pode hesitar em usar de quantos vícios quantos necessários – também aqui ser-se “somítico” é positivo e permite ao Príncipe não ser odiado e reinar em paz.
A liberalidade só pode ser admitida na acção política se para tal forem usados os bens dos outros, isto é, o resultado de pilhagens e saques de cidades conquistadas ou inimigas. A riqueza retirada destas investidas compensará portanto o referido vício de “somítico” do Príncipe, que, ao sê-lo, defende apenas o que é dele. O soberano não precisa de gastar o que é seu, visto que pode comprar o apoio dos seus soldados e súbditos com aquilo que é extorquido a outrem.
Maquiavel, como é sabido, considera a natureza humana negativa e, pior que tudo, imutável. O recurso a exemplos do passado constitui então prova fiel e sólida daquilo que pretende ilustrar. Se era verdade antes, também o é agora. Maquiavel prova assim o seu ponto de vista através dos exemplos de Júlio II e de Júlio César. É possível neste ponto definir um pouco mais da identidade ideal do Príncipe: um homem moldado pela “experiência histórica real”, que coloca os fins antes dos meios.
Maquiavel foi, conclui-se, pioneiro num modo muito específico de ver a realidade. De ver o “ser” em vez do “dever-ser”. Citando Viriato Soromenho Marques, o texto de Maquiavel “situa-se claramente na zona dos paradigmas clássicos da Realpolitik”, do qual o capítulo XVI constitui ilustrativo exemplo.

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