sexta-feira, 5 de setembro de 2008

E Para Não Variar, Aposta Ganha.


E mais uma vez a Pixar ganhou em todas as frentes. Cepticismo vencido e fanatismos conservadores postos de parte, a nova aposta do estúdio californiano para o ano de 2008, WALL·E, revelou-se um filme de animação que prima sobretudo pela surpresa que causa no espectador mais desprevenido. A película ganha uma dimensão quase bíblica ao focar em contexto animado temas sérios e profundos, que estimulam a reflexão sobre o próprio papel desempenhado pela humanidade numa época recheada de incertezas e em clara mudança de paradigma.
O mundo imaginário focado em WALL·E é um mundo pós-moderno, no qual a humanidade se viu forçada a abandonar o planeta devido a uma crise global desencadeada pelo acumular de lixo não reciclado, causador de um índice de poluição que tornou insuportável a vida na Terra. O plano inicial de abandono temporário cedo se gorou. Não só a Terra estava ainda super poluída, como nunca mais seria possível voltar. Os humanos passaram a (sobre)viver no espaço, no interior de naves espaciais dotadas de uma população de robôs capazes de satisfazer todas as suas necessidades – básicas ou não. Entretanto, um verdadeiro exército de “WALL-E’s” – robôs propositadamente concebidos para a remoção de detritos – permaneceu na Terra para limpar o planeta do amontoado de resíduos sólidos deixados para trás. Setecentos anos após estes acontecimentos, apenas um robô continua operacional. WALL·E de seu nome como todos os outros, este peculiar personagem ganha, para além da devoção imediata do público, uma alma de gente durante todo esse tempo em que vai executando as suas solitárias funções na Terra. Tudo muito bem, até ao dia em que o seu quotidiano é repentinamente alterado pela chegada de Eve, um robô-fêmea, que faz tombar o “coração” do nosso WALL·E. A partir daí, assiste-se a todo um desenrolar de peripécias que vão mudando a atitude de Eve face a WALL·E, desde a desconfiança até à assumpção do sentimento de paixão mútuo. Uma vulgar história de amor, não fosse o facto de estarmos na presença de dois elementos que não fazem uso da fala, salvo a pronunciação repetida até à exaustão do nome um do outro, como se tal fosse suficiente para se compreenderem mutuamente. A missão de Eve é descobrir vestígios de plantas, indicador fiável das condições de vida na Terra, por sua vez imprescindíveis para um eventual regresso da humanidade ao seu lar natural. Pela mão de WALL-E, Eve descobre uma planta, prontamente levada para a nave espacial Axiom. Aqui, um conflito de interesses opõe o capitão da nave ao piloto automático: o primeiro quer regressar, o segundo vai por todos os meios procurar gorar essa intenção, sob o pretexto de obedecer a ordens dadas por Shelby Forthright, o último patrão da Buy n’ Large, empresa que administrara a Terra até ao êxodo humano. Como em todas as grandes histórias, assiste-se a um final feliz, no qual a humanidade volta à sua condição natural, não só à sua casa, mas sobretudo à locomoção bípede, até aí caída em desuso após centenas de anos passados em cadeirões flutuantes a bordo da Axiom.
WALL·E saldou-se em mais um estrondoso êxito comercial da Pixar, e ao mesmo tempo numa vitória pessoal do realizador Andrew Stanton, depois de vários anos e de algumas hesitações em avançar com o projecto. Conforme é regra de ouro na Pixar, também WALL·E traz consigo uma mensagem importante para miúdos e graúdos, relembrando a responsabilidade geral pela protecção ambiental como condição básica para a sobrevivência e qualidade de vida das gerações vindouras. O pano de fundo da história é uma incisiva chamada de atenção para erros que estão actualmente a ser cometidos, os quais poderão dar origem não a um cenário apocalíptico de robôs programados para limpar o lixo, mas a outros problemas quiçá mais gravosos. Conforme foi destacado por alguns comentadores, o filme vale acima de tudo pelas ideias que transmite, e pela maneira como penetra na mente do público, sensibilizando-o e fazendo-o pensar. E isto é especialmente aplicável ao público mais jovem, para quem WALL·E pode traduzir-se num exercício intelectual da maior importância.


Sem comentários: