Cinema elevado à categoria de obra-prima. Puro deleite proporcionado por uma das maiores sátiras que a sétima arte já registou. Atrevo-me a dizer que é a maior comédia de todos os tempos. Chaplin na pele de Adenoid Hynkel, ditador da Tomania, é a alma do filme, ao qual lhe incute um trejeito muito seu, a ponto de chegarmos a um estado de letargia mental não intencional entre Hynkel e Hitler. Esta é a extraordinária visão que Chaplin teve do funesto ditador germânico, uma missão difícil em 1940, altura em que os EUA se encontravam ainda remetidos ao isolacionismo. Consistindo basicamente numa deturpação cómica do fascismo europeu que grassava naquela altura em solo europeu, O Grande Ditador conseguiu o seu merecido lugar na história do cinema pelos grandes momentos que com regularidade assinalável é presenteado o espectador.
É um sem fim de cenas memoráveis, as quais patenteiam bem o fino trato de Chaplin, a sua modesta e ímpar forma de actuar, conservando uma imprescindível mensagem moralista por detrás. A figura do barbeiro judeu é o mote para uma história pródiga em temas intemporais, desde logo a negação da subjugação do homem pelo homem, mostrada na parecença física do barbeiro judeu com Hykel. Em suma, o filme transborda de simbolismos, começando nas personagens – já que quase todas elas parodiam personalidades reais da época, nomeadamente ligadas aos regimes alemão e italiano – e terminando na genialidade absurda que rege, antes de tudo, os actos de Hykel e de Napaloni, este último uma dantesca ridicularização de Benito Mussolini. Contudo, é nas aspirações demoníacas de Hynkel que Chaplin joga o seu verdadeiro trunfo. O realizador/actor/produtor do filme consegue rebaixar Hynkel – entenda-se Hitler – a tal ponto de o tornar num homenzinho insignificante, numa aberração sem sentido do que é ser-se humano, num simples sonho mau que depressa acabará. É uma inequívoca chamada de atenção para a fortaleza aparente de regimes encabeçados por loucos: fortes por fora, fracos por dentro. Não há ali nada de aproveitável, seja em Hykel ou em Napaloni: ambos são personagens que têm tanto de cómico como de vazio. Não há ali substância, apenas um ego ilimitado que a todos cega e acorrenta. O discurso final de Hynkel, já na pele do barbeiro judeu, funciona pois como um último fulgor, desta vez sério, para incentivar as massas a não se iludir com falsas promessas de liberdade e prosperidade, muito menos quando pelo meio estão ideias como a superioridade da raça e a agressividade face ao povo vizinho.
O Grande Ditador foi e continua a ser uma perigosíssima arma de arremesso contra regimes totalitários. Só a visão e o pioneirismo de Chaplin, conseguiu levar o cinema satírico tão longe, de modo a mostrar a nu as fragilidades do ser humano, retratado numa obediência risível para com tipos egocêntricos disfarçados de estadistas. Deixo aqui uma das cenas mais belas do cinema clássico, a badalada cena em que Hynkel brinca com o mundo, numa patética demonstração do seu carácter louco e belicista.
P.S.: Foi através de Portugal que Hitler recebeu a única cópia que teve de O Grande Ditador. Consta que o ditador visionou o filme por duas vezes. Mais tarde Chaplin declarou que "daria qualquer coisa" para saber a reacção e a opinião de Hitler sobre ele.
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