quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Futebol com Cheiro a Petróleo.


O liberalismo económico estende-se irremediavelmente ao desporto. Há pouco mais de uma semana, o Machester City foi adquirido por um grupo de investimentos árabe. Recorde-se que, em 2007, o mesmo clube havia já sido alvo de compra por parte do antigo e muito controverso primeiro-ministro tailandês, Thaksin Shinawatra. Na altura, surgiram bastantes rumores acerca da verdadeira razão pela qual Shinawatra pretendia adquirir um clube da Primeira Liga Inglesa. Houve quem revelasse que a única razão da compra se devia ao facto de Shinawatra pretender, através de um golpe mediático, desviar as atenções dos processos legais que sob ele recaem no seu país. Seja como for, parece que o “City” está destinado a mudar de mãos com uma regularidade não muito desejável.
Por outras razões que não as de Shinawatra, o Abu Dhabi United Group, assim se faz denominar o grupo pertencente à Abu Dhabi Investment Authority – organização financeira sedeada nos Emirados Árabes Unidos – anuncia a compra da parte do clube (75%) pertencente a Shinawatra, entretanto alvo de um pedido de extradição do governo tailandês. A Abu Dhabi Investment Authority é responsável pela gestão e aplicação dos actuais fundos de riqueza soberana do seu estado. Muitos estados cuja riqueza provinda da exportação de determinado bem tenha subido a níveis para lá do satisfatório, têm optado utilizar essa riqueza para cimentarem a sua presença estratégica no mercado económico internacional, nomeadamente através da participação ou aquisição total de empresas estrangeiras. Esta prática tem vindo a aumentar ao longo dos últimos anos, tendo suscitado alguma atenção por parte de países como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, zelosos quanto ao futuro de algumas das suas empresas mais importantes. No caso do grupo de investimentos que comprou o clube inglês, estamos «somente» perante o maior de todos os que até agora são conhecidos. E a partir do momento em que Shinawatra se mostrou disponível para vender a sua posição maioritária no clube, tudo ficou mais fácil para o grupo de Abu Dhabi dar seguimento a um negócio que se lhe revelou por demais conveniente. Sem precisar de procurar muito, o Manchester City caiu-lhes do céu.
As consequências imediatas para o histórico clube de Manchester são por demais evidentes. Sulaiman Al Fahim, o principal rosto do grupo, foi já peremptório ao anunciar que o “City” será dentro de muito em breve um dos maiores clubes do mundo, senão mesmo o maior. Os novos objectivos do "City" estão a partir de agora em perfeita sintonia com os objectivos do próprio grupo de investimento, ávido por consolidar a sua posição estratégica em vários mercados distintos, designadamente no mercado desportivo. Investir em desporto, e logo no desporto-rei, é colocar-se em frente aos olhos de milhões de pessoas nos quatro cantos do mundo. É fazer com que uma colectividade desportiva geradora de grandes emoções fique aos dispor das veleidades de um grupo de oligarcas árabes, que apesar da inegável habilidade com que gerem os seus negócios, estão desprovidos da sensibilidade que julgo essencial para lidar com a paixão sentida pelas muitas dezenas de aficionados do “City”, unanimemente reconhecidos como os adeptos mais leais de Inglaterra. É claro que o eventual sucesso do clube fará as delícias tanto dos adeptos como dos seus novos donos. A grande questão aqui é que o fará por motivos muito diferentes: aos adeptos interessarão as eventuais conquistas desportivas e o prestígio do clube, ao passo que ao Sr. Sulaiman interessará, para além dos lucros, a renovada influência que Abu Dhabi passa a exercer junto da sociedade civil de uma das cidades mais importantes do Reino Unido, cimentando assim a sua influência na própria sociedade inglesa e, em última instância, nos meandros da alta finança do país.
O mundo futebolístico está portanto perante um novo «monstro» endinheirado, que promete abalar o já de si movimento mercado de transferências no próximo defeso. Endinheirado é pecar por defeito, pois o Manchester City estará nesta altura entre os clubes do mundo com mais capital disponível de facto para comprar jogadores. Al Fahim já avisou que vai tentar contratar os melhores do mundo da modalidade, e eu acredito que o fará. Provas disso têm sido as tentativas de aquisição de Van Nistelrooy ao Real Madrid ou a abordagem por Kaká ao AC Milan, além de muitos outros nomes concretos já revelados por Sulaiman, entre os quais figura o de Cristiano Ronaldo, pelo qual parece disposto a desembolsar uma quantia que a todos deixou boquiabertos. Terá o “City” sucesso num futuro próximo? Ainda é cedo para dizer. Só a reabertura do mercado em Janeiro próximo trará novos dados sobre as reais capacidades negociais do “City”. Mas convém não esquecer o exemplo de Robinho, prontamente contratado ao Real Madrid por bem mais do que o valor inicialmente oferecido pelo também milionário Chelsea. E por falar em Chelsea, torna-se inevitável – dadas as circunstâncias – um termo de comparação entre ambos os clubes. Se o Chelsea, após ser sido adquirido mais ou menos nas mesmas condições em que o foi o “City”, teve o sucesso que teve, porque não conseguirá também o clube de Manchester, ainda por cima com uma muito maior implantação na cidade do que o eterno rival United, almejar sucesso semelhante? Pode e deve, pois tem dimensão para isso. Seja como for, atenção: está aí o clube que a breve trecho muita tinta fará correr. Esperemos, Sr. Sulaiman, que pelos melhores motivos.

Sem comentários: