As recentes notícias provindas da América do Sul são nada menos que gravíssimas. Num espaço de tempo muito curto, os Estados Unidos viram dois dos seus embaixadores no continente sul-americano serem declarados persona non grata. A declaração de persona non grata é uma figura jurídica prevista no direito diplomático, que pode ser accionada quando o Estado receptor deixa de apreciar a conduta do chefe de missão ou de outro diplomata pertencente a essa mesma missão. Quando isto acontece, o diplomata em causa deve abandonar o território do país onde se encontra acreditado, num prazo emitido pelas autoridades desse mesmo país.
Em teoria, o Estado receptor não precisa de justificar nem de provar as razões pelas quais decidiu fazer tal declaração, mas é comummente sabido que rapidamente as verdadeiras razões são tornadas do domínio público. Manda pois a boa regra diplomática que essa justificação seja dada ao Estado de envio num prazo considerado razoável e justo. Posto isto, mais grave ainda se torna a situação se o Estado receptor não informar o Estado de envio dessa decisão pelos canais diplomáticos oficiais, que é precisamente aquilo de que se queixa Washington. Ora daqui se pode concluir que as manobras políticas de La Paz e de Caracas vão no sentido de provocar uma ruptura estrutural nas relações bilaterais com os Estados Unidos. Que se saiba, o embaixador dos Estados Unidos em Caracas nada fez que justificasse a decisão do governo venezuelano. E não há informação disponível sobre a conduta do embaixador norte-americano em La Paz. A Bolívia acusa o diplomata de instigar à revolta da oposição nas províncias do leste do país, actuando em estreita articulação com as instâncias governamentais do seu país. Se e só se isto for verdade, La Paz terá razão. O embaixador estaria ostensivamente a violar o princípio sagrado de não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, e veria a sua expulsão automaticamente justificada.
Acontece que até prova em contrário – e isto aplica-se especialmente à Venezuela que agiu unicamente por “solidariedade” – uma declaração de persona non grata sem justificação à altura do acto, é o mesmo que rejeitar toda a cooperação e relações diplomáticas com o Estado em causa. Isto porque existem outras vias diplomáticas mais suaves para fazer substituir o chefe de missão por outro, sem a necessidade de o declarar persona non grata. Por sua vez, os Estados Unidos seguiram a via normal nestes casos, senso comum, que foi dar ordem de expulsão aos embaixadores boliviano e venezuelano lá acreditados.
Contudo, há que acrescentar que mesmo que a declaração de persona non grata por si só não signifique o fim de relações diplomáticas entre os Estados em causa, nem a extinção das respectivas missões; significa no mínimo um retrocesso profundo no clima de paz e de cooperação desejável entre dois Estados, acarretando consequências imprevisíveis para a estabilidade do sistema internacional. Actos destes fazem perigar a paz no continente sul-americano, em claro prejuízo da vontade dos povos. Salvo se plenamente justificada por ambos, a declaração de persona non grata, até lá, pode ser vista como uma irresponsabilidade; e pior que tudo, como um estratagema pré-organizado para criar deliberadamente uma tensão diplomática que só o tempo provará se é – ou foi – necessária.
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