sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Persona Non Grata.

As recentes notícias provindas da América do Sul são nada menos que gravíssimas. Num espaço de tempo muito curto, os Estados Unidos viram dois dos seus embaixadores no continente sul-americano serem declarados persona non grata. A declaração de persona non grata é uma figura jurídica prevista no direito diplomático, que pode ser accionada quando o Estado receptor deixa de apreciar a conduta do chefe de missão ou de outro diplomata pertencente a essa mesma missão. Quando isto acontece, o diplomata em causa deve abandonar o território do país onde se encontra acreditado, num prazo emitido pelas autoridades desse mesmo país.
Em teoria, o Estado receptor não precisa de justificar nem de provar as razões pelas quais decidiu fazer tal declaração, mas é comummente sabido que rapidamente as verdadeiras razões são tornadas do domínio público. Manda pois a boa regra diplomática que essa justificação seja dada ao Estado de envio num prazo considerado razoável e justo. Posto isto, mais grave ainda se torna a situação se o Estado receptor não informar o Estado de envio dessa decisão pelos canais diplomáticos oficiais, que é precisamente aquilo de que se queixa Washington. Ora daqui se pode concluir que as manobras políticas de La Paz e de Caracas vão no sentido de provocar uma ruptura estrutural nas relações bilaterais com os Estados Unidos. Que se saiba, o embaixador dos Estados Unidos em Caracas nada fez que justificasse a decisão do governo venezuelano. E não há informação disponível sobre a conduta do embaixador norte-americano em La Paz. A Bolívia acusa o diplomata de instigar à revolta da oposição nas províncias do leste do país, actuando em estreita articulação com as instâncias governamentais do seu país. Se e só se isto for verdade, La Paz terá razão. O embaixador estaria ostensivamente a violar o princípio sagrado de não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, e veria a sua expulsão automaticamente justificada.
Acontece que até prova em contrário – e isto aplica-se especialmente à Venezuela que agiu unicamente por “solidariedade” – uma declaração de persona non grata sem justificação à altura do acto, é o mesmo que rejeitar toda a cooperação e relações diplomáticas com o Estado em causa. Isto porque existem outras vias diplomáticas mais suaves para fazer substituir o chefe de missão por outro, sem a necessidade de o declarar persona non grata. Por sua vez, os Estados Unidos seguiram a via normal nestes casos, senso comum, que foi dar ordem de expulsão aos embaixadores boliviano e venezuelano lá acreditados.
Contudo, há que acrescentar que mesmo que a declaração de persona non grata por si só não signifique o fim de relações diplomáticas entre os Estados em causa, nem a extinção das respectivas missões; significa no mínimo um retrocesso profundo no clima de paz e de cooperação desejável entre dois Estados, acarretando consequências imprevisíveis para a estabilidade do sistema internacional. Actos destes fazem perigar a paz no continente sul-americano, em claro prejuízo da vontade dos povos. Salvo se plenamente justificada por ambos, a declaração de persona non grata, até lá, pode ser vista como uma irresponsabilidade; e pior que tudo, como um estratagema pré-organizado para criar deliberadamente uma tensão diplomática que só o tempo provará se é – ou foi – necessária.

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