quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A Nova Rússia.


E o grande urso russo engoliu a pobre presa chamada Geórgia. Depois da deterioração das relações bilaterais desde 2004, a ira do Kremlin abateu-se finalmente sobre a jovem república do Cáucaso, num confronto desigual e com vencedor pré-determinado. Medvedev deixou aqui um claro sinal de que não pretende nem vai seguir um estilo diferenciado do seu antecessor, muito menos mudar as directrizes da política externa russa num futuro próximo. A intervenção militar russa na Ossétia do Sul e na Abecásia – duas regiões autónomas com fortes tendências separatistas – pautou-se acima de tudo por uma eficácia extrema, de modo a revelar ao mundo uma Rússia que não mais se vergará resignada aos ditames do Ocidente.
Escudada pela condição de membro permanente do Conselho de Segurança, manietando à partida as Nações Unidas, a Rússia chama gradualmente a si a chama de outrora. Já não é mais o poder soviético, o tal que esmagava arbitrariamente ao mínimo sinal de rebelião, mas sim uma nova Rússia, renovada internamente e alicerçada numa cada vez mais estável condição económica. Ao contrário da União Soviética, a Rússia de hoje não pretende tornar-se numa potência hegemónica; aspira simplesmente à hegemonia regional. Pretende, pois, dar pinceladas certeiras num quadro geoestratégico que quer só para si. A Rússia, ao longo dos últimos quinze anos, reformulou a sua política interna, conferindo-lhe estabilidade através da implementação de novos métodos governativos, nem sempre transparentes, mas claramente adequados à situação herdada do regime soviético. O gigantesco país soube domesticar as suas elites e submeter os oligarcas à vontade do Kremlin, e é hoje possível afirmar com propriedade que o Kremlin voltou, após todos estes anos, a ditar a lei e a estender o seu braço musculado a todos os sectores da sociedade russa. Esta foi a grande obra de Putin, a que Medvedev vai dar continuidade.
A Geórgia foi o primeiro passo rumo a uma nova política de vizinhança, através da qual Moscovo pretende anunciar o fim da sua inércia face ao aproveitamento dos vazios de poder por parte dos Estados Unidos na sua antiga zona de influência. Posto isto, Tbilissi cometeu um crasso erro estratégico ao tentar consolidar o seu poder na Ossétia do Norte, abrindo caminho a uma mais do que esperada resposta militar russa, porque catapultada por uma situação interna positivamente inédita desde o colapso do comunismo. A Ossétia do Norte revelou-se um excelente começo para a Rússia dar início a uma nova fase nas suas relações internacionais, que se prevêem tumultuosas. Resta ver qual o rumo dos acontecimentos na cena internacional, quando se efectivar o choque de interesses que surgirá quando a Geórgia e a Ucrânia iniciarem de facto os respectivos processos de adesão à NATO; ou, por outras palavras, se a NATO conseguirá obter consenso interno suficiente para aceitar dois novos membros que trazem consigo desafios de uma dimensão tal que poderão pôr em risco o próprio futuro da organização.

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